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Contribuir para o
desenvolvimento de uma vacina para o Vírus da Imunodeficiência Humana-2
(VIH-2), de um teste para ajudar a prever a evolução do vírus e novos
conhecimentos sobre a administração terapêutica em doentes infetados,
são objetivos de uma equipa de investigadores portugueses coordenada por
Nuno Taveira, investigador e professor do Instituto Superior de
Ciências da Saúde Egas Moniz.
Até agora os investigadores conseguiram definir mecanismos importantes
envolvidos no processo de neutralização do Vírus da Imunodeficiência
Humana 2, pelos anticorpos no organismo.
Ao longo de quatro anos os investigadores acompanharam um grupo de indivíduos infetados com o VIH2.
Nuno Taveira explica que: «nenhum estudo tinha tido doentes
representando todo o espectro da infeção, ou seja, estando ainda
assintomáticos e estando já em fase de SIDA. Nós conseguimos recrutar
vinte e oito doentes representando todo o espectro da infeção. Quatro
doentes tinham evoluído para SIDA, já e os restantes estavam
assintomáticos».
O investigador continua dizendo que «acompanhá-los ao longo de quatro
anos e fomos estudar a resposta em anticorpos neutralizantes, que era
aquilo que pretendíamos, e depois fomos ver de que maneira é que essa
resposta condicionava a multiplicação do vírus nesses doentes e
condicionava a evolução do vírus. Como é que esses anticorpos interagiam
com o vírus».
Ou seja, como atuam os anticorpos perante o vírus. «São anticorpos que
se ligam ao vírus e o impedem de entrar na célula e, nessa medida, como o
vírus só sobrevive dentro das células, se não entra morre. Portanto,
nesta medida os anticorpos neutralizam a infecciosidade do vírus,
neutralizam a sua capacidade de entrar nas células e se reproduzir»,
explica.
Nuno Taveira acrescenta ainda que «a maior parte dos anticorpos que nós
produzimos não são neutralizantes. São anticorpos que não têm qualquer
papel neste passo, não impedem a entrada dos vírus nas células. São
importantes para diagnóstico. Nós sabemos que estamos infetados porque
produzimos anticorpos contra determinadas proteínas do vírus, mas não
têm qualquer papel neutralizante».
Conhecida a ação dos anticorpos, os investigadores colocam a questão de esta variar de pessoa para pessoa.
«Não havia uma noção clara da prevalência destes anticorpos
neutralizantes e da quantidade que cada pessoa produzia. Não havia a
mínima noção sobre se estes anticorpos se eram estáveis ao longo dos
quatro anos do estudo, se eram estáveis», refere o cientista.
«Depois também queríamos saber se nas pessoas em que há progressão, os
anticorpos seriam responsáveis pela evolução do vírus para uma maior
patogenicidade», acrescenta Nuno Taveira.
Algumas respostas vieram ao longo do estudo, tendo os investigadores identificado um dos alvos dos anticorpos neutralizantes.
«Verificámos que a esmagadora maioria dos doentes produziam uma resposta
a anticorpos neutralizantes muito forte, muito mais forte do que o
VIH-1 e sustentada ao longo dos quatro anos, sempre sustentada», afirma
Nuno Taveira.
«Esses anticorpos tinham uma característica importante, é que reagiam em
particular contra uma parte do vírus. Ligavam-se fortemente a uma
determinada região do invólucro do vírus, que está envolvida na entrada
do vírus para as células. E, portanto, tínhamos acabado de identificar
um dos principais alvos dos anticorpos neutralizantes. Algo que
naturalmente era importante para uma futura vacina», acrescenta o
cientista.
O alvo em causa é a região central no invólucro do vírus, denominada de
C2V3C3. Nuno Taveira explica que esta «é uma região particularmente
exposta, uma região a que os anticorpos se ligam com alguma facilidade
precisamente porque está exposta e quando o vírus se modifica
normalmente aumenta a dimensão dessa região».
Uma região que o vírus «altera a sua conformação de forma significativa
(esconde-a um pouco), torna essa conformação mais rígida e, portanto, os
anticorpos não se conseguem ligar e o vírus ganha resistência. E quando
ganha resistência volta a conseguir entrar nas células e tem acesso a
um conjunto mais alargado de células».
Os investigadores podem ter encontrado a proteína chave que conduza a
uma futura vacina. Nuno Taveira explica que esta é «de facto a região
mais importante para a neutralização», por isso, avança o investigador
«pensamos que esta proteína pode constituir a base de uma vacina porque
se é o alvo de ação dos anticorpos, quando a administrarmos a alguém
também induzirá anticorpos que nós pensamos que vão ser neutralizantes».
Mas, os cientistas verificaram que o número de anticorpos neutralizantes variava nas pessoas em estudo.
«Constatámos que nos quatro doentes que progrediram para SIDA e tinham
um baixo número de linfócitos CD4, que são os linfócitos que o vírus
infecta, os anticorpos neutralizantes eram em muito mais baixo teor e
não neutralizavam os vírus que essas pessoas tinham, que eram vírus com
umas características diferentes dos vírus com características
assintomáticas», afirma Nuno Taveira.
O investigador acrescenta que estes «eram uns vírus que tinham a capacidade de entrar num conjunto de células mais alargado».
Esta variação dos vírus permitiu aos investigadores verificarem que havia vírus resistentes aos anticorpos neutralizantes.
«Nos indivíduos que estão assintomáticos, as quasi espécies,
estes vírus têm todos as mesmas características, ou seja, entram nas
células através de um recetor, cujo nome é CCR5. Nos indivíduos que não
controlam a infeção, os vírus que predominam são vírus que entram
através de outro coreceptor, que é o CXCR4. Estes vírus são resistentes
aos anticorpos neutralizantes, têm um grau de resistência muito
importante e isto nunca tinha sido detetado em nenhum estudo», afirma
Nuno Taveira.
O investigador explica que «pensava-se que não havia escape aos
anticorpos neutralizantes, pensava-se que não havia este fenómeno de
escape, nós conseguimos documentá-lo, porque conseguimos trabalhar com
doentes no estádio mais avançado da infeção, portanto, pessoas já com
imunodeficiência, já com SIDA».
O que significa que em algumas pessoas que evoluem para SIDA, o vírus
consegue ganhar resistência aos anticorpos neutralizantes.
«Estudando o vírus em si, conseguimos perceber que a evolução que
estávamos a observar para vírus mais patogénicos estava fortemente
associada com modificações genéticas no vírus, portanto, nos genes do
vírus. Por exemplo, a região que nós tínhamos identificado como sendo
importante para a neutralização, estava completamente alterada nestes
vírus. E é por isso que estes vírus se tornaram resistentes aos
anticorpos»
Dados que «mais uma vez reforça a ideia de que aquela região é de facto a
região mais importante a que se ligam os anticorpos neutralizantes»,
afirma o investigador.
Estes avanços no conhecimento sobre a ação dos anticorpos neutralizantes
podem abrir novas portas que levem a terapêuticas mais eficazes.
Estes são resultados também importantes porque «há terapêuticas que
inibem a interação do vírus com o recetor CCR5, que nestes doentes mais
avançados não podem tomar esta terapêutica, são os inibidores de
entrada, são uns fármacos recentes que são utilizados já para tratar
alguns doentes infetados por VIH 1», explica Nuno Taveira.
«Agora já sabemos perfeitamente a quem e o que podemos dar no caso do
HIV-2. Podemos dar a um tipo de doentes, não podemos dar a outros que já
progrediram mais, que provavelmente até seriam os que teriam mais falta
desse medicamento de última geração. E esta é a aplicação clínica mais
imediata destes resultados», explica o cientista.
Mas, há outras possíveis aplicações que os investigadores consideram
viáveis. «O facto de termos identificado a região no vírus que está
envolvida nesta progressão, também nos pode permitir criar com relativa
facilidade um pequeno teste que nos diga: um doente que tem um vírus com
estas características não vai progredir, um doente com estas
características já vai progredir mais facilmente. E isto é um teste
genético fácil de efetuar e até relativamente barato».
E em relação a uma possível vacina, os cientistas já procederam a testes
em laboratório. «Os estudos que fizemos em ratinho foram simples. Pegar
em ratinhos, administrar a proteína, tirar sangue dos ratinhos e ver se
tinham anticorpos neutralizantes, que neutralizassem os vírus in vitro, nos testes que fazemos no laboratório».
«E verificámos que o ratinho ao fim de duas ou três imunizações produzia
grande quantidade de anticorpos que neutralizavam não só um vírus mas
três ou quatro vírus que experimentamos. E neutralizaram de forma muito
potente», afirma o investigador.
Do laboratório para os humanos, os investigadores mantêm-se otimistas.
«Se aquilo que observámos no rato se reproduzisse nas pessoas, as
pessoas sendo imunizadas com este péptido, com esta proteína, iriam
produzir uma mesma resposta em anticorpos neutralizantes e, portanto,
teoricamente, se entrassem em contacto com o vírus, poderiam não ser
infetadas pelo vírus porque esses anticorpos ligar-se-iam ao vírus e
impediam que o vírus entrasse nas células», explica Nuno Taveira.
Face aos resultados dos estudos, os investigadores estão agora a
trabalhar para evoluírem para o VIH-1, já que a infeção por este vírus é
mais comum e apresenta maior mortalidade do que o VIH2.
«Nós neste momento estamos a usar o mesmo raciocínio para desenvolver
uma vacina para HIV1. Não estamos a pensar mais em prosseguir no HIV2.
Trabalhámos em ratinhos e parámos porque o número de pessoas infetadas
por VIH 2 é muito baixo e uma vacina para VIH 2 só poderá eventualmente
ser proposta depois de haver uma para VIH 1».
Por isso, «estamos a concentrar os nossos esforços no VIH 1 usando
exatamente a mesma estratégia. É um projeto que está a decorrer, é um
projeto que pensamos ter resultados concretos em ratinho dentro de seis
meses», afirma o investigador.
Os resultados da investigação agora apresentados valeram à equipa de
investigação o reconhecimento com o Prémio Pfizer de Investigação
Clínica 2012, no valor de 20 mil euros, atribuído pelos Laboratórios
Pfizer e a Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa.
Para Nuno Taveira este Prémio «é um incentivo enorme para a investigação
do nosso grupo e é o reconhecimento da qualidade do trabalho e só isso
já é o suficiente».
A equipa de investigadores continua a trabalhar na esperança de poder contribuir para uma futura vacina contra o VIH 1. |
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