“É
um aprendizado para nós e para as crianças. Eles têm uma família, um
lar e regras; e a gente sabe que tem obrigação de dar educação.”
Silvana Bernardin, esposa de Santo Zaniolo. O casal acolhe no momento um menino de 3 anos
Experiência é gratificante, diz mãe acolhedora
Luiz Carlos da Cruz, correspondente
Há dois anos e meio o casal Silvana
Bernardin e Santo Zaniolo resolveu acolher dois irmãos – uma menina hoje
com 16 anos e um garoto de 14. Não se arrependem de terem ingressado no
Programa Família Acolhedora. Tanto que há três meses receberam outro
menino, de três anos, que faz a alegria do casal. “É um aprendizado para
nós e para as crianças. Eles têm uma família, um lar e regras; e a
gente sabe que tem obrigação de dar educação”, diz Silvana.
Ela tem consciência de que a qualquer
momento a Justiça poderá decidir pela adoção definitiva das crianças e
eles serem levados para outro lar. “Quando entramos [no projeto] fomos
orientados sobre isso, tanto que eles não chamam a gente de mãe porque
sabemos que não é algo definitivo”, diz.
O garoto de três anos não desgruda do
“pai acolhedor”. Acorda de manhã e a primeira coisa que fala é um sonoro
“bom dia para vocês”. Para Zaniolo, essa saudação diária não tem preço.
“Já paga o meu dia”, diz.
Há duas quadras dali, outras crianças
convivem com outra família acolhedora. Um garoto de 12 anos, outro de 16
e uma menina de 15 anos encontraram na bancária aposentada Judite de
Andrade Zacarkin o carinho necessário que não tiveram com os pais
biológicos. Os três irmãos moram com a nova família há quatro anos e
meio. Hoje, são escoteiros e além dos estudos normais, fazem curso de
inglês.
“São crianças que se a gente trabalhar
com elas serão cidadãos de bem que farão alguma coisa para contribuir
com o país”, avalia.
Na pele
Instituições e crianças tiveram de vencer o preconceito
As dezenas de crianças e adolescentes
que passaram pela Apav e pela Acoa – as duas únicas instituições do
Paraná voltadas a acolher portadores de HIV – aprenderam da forma mais
difícil o significado da palavra preconceito: sentindo-o na pele. Quando
as entidades foram fundadas, no início da década de 1990, não havia
pesquisas consolidadas sobre o vírus. As escolas chegavam a se negar a
atender os alunos soropositivos.
Por isso, os voluntários sempre trataram
do tema HIV abertamente com as crianças. Ainda assim, quem foi alvo dos
“olhares tortos”, não se esquece. “Eu sempre fui popular na escola.
Mas, quando eu dizia que tinha HIV, quase todo mundo se afastava. Era
chato. Só meus amigos de verdade mesmo é que ficavam perto”, contou
Guilherme Grassmann.
Mesmo autoridades raramente visitavam as
casas, com receio de serem contaminadas. A saída para mudar o quadro
foi difundir informações e dar bons exemplos. “Os voluntários abraçavam,
beijavam, afagavam as crianças. Com isso, mostrávamos que não tinha o
que temer”, disse a presidente da Apav, Maria Rita Teixeira.
Um dos acolhidos na Apav, Felipe
Teixeira, hoje com 15 anos, acabou adotado por Maria Rita. O menino
chegou à instituição com dois meses de vida, pesando um quilo. Contra
todos os prognósticos viveu e se tornou um bonito rapaz. “Um gentleman”,
define a mãe. “Ele gosta muito de dizer que foi gestado no meu coração.
E é a pura verdade”, revelou.
De acordo com o Cadastro Nacional de
Adoção (CNA), mais de 1,2 mil crianças ou adolescentes aptos a serem
adotados no Brasil (20,6% do total) sofrem de alguma doença. Entre eles,
estão 132 portadores de HIV. Na outra ponta, apenas 8% dos interessados
não fazem restrição em adotar jovens com problemas de saúde.
Nas últimas duas décadas, 151 jovens com
o vírus passaram pela Associação Paranaense Alegria de Viver (Apav),
instituição curitibana voltada a acolher portadores do HIV. Menos de um
quinto voltou à família biológica ou foi adotado. Os demais viram os
anos se passar dentro da entidade.
Por um lado, não é difícil entender o
porquê: a adoção de um adolescente com HIV requer mais dedicação,
estrutura emocional e financeira, já que esses meninos precisam de
cuidados especiais. A outra explicação é que, por muito tempo, esses
jovens permaneceram “invisíveis” às autoridades.
“Por anos, simplesmente não se trabalhou
a adoção das crianças com HIV. As autoridades dificultavam ao máximo as
adoções. Parece que elas é que estavam carregadas de preconceito”,
avaliou a presidente da Apav, Maria Rita Teixeira.
O Movimento Nacional das Crianças
Inadotáveis (Monaci) acusa demora excessiva na destituição do poder
familiar dos acolhidos soropositivos. Um relatório mostra que, em 2012,
dos 33 jovens abrigados na Associação Curitibana dos Órfãos da Aids
(Acoa), apenas dois haviam sido tirados da família biológica. Na Apav,
nenhum dos 18 acolhidos tinha o processo concluído.
Em razão de todo este contexto, 14
pessoas – hoje já adolescentes e jovens – portadoras de HIV moveram, em
novembro do ano passado, uma ação por danos morais contra o Estado. Na
avaliação do advogado Thiago Zeni Marenda, as autoridades descumpriram o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que determina que as
destituições sejam concluídas em até 120 dias.
“Eles envelheceram nos abrigos, sem que
lhes fosse dada a chance de adoção. Não existe uma justificativa para
isso. Foi meramente preconceito, por serem soropositivos”, afirmou o
defensor.
Acolhimento familiar: uma alternativa aos abrigos
Com 352 jovens atendidos, o Paraná é o
estado que mais tem crianças e adolescentes amparados pelo “Programa
Acolhimento Familiar”. Pela iniciativa, em vez de permanecerem em
abrigos, os meninos e meninas órfãos ou afastados dos pais podem ser
acolhidos por outra família, até serem encaminhados à adoção ou que
tenham condições de voltar a viver com parentes. A modalidade é
considerada uma alternativa mais humanizada de proteção aos jovens.
Segundo dados do Ministério de Defesa
Social (MDS), de cada quatro acolhimentos familiares ocorridos no país,
um está no Paraná. Até estados mais populosos, como São Paulo e Minas
Gerais, ficam para trás. O principal exemplo de sucesso do programa é
Cascavel, onde 80% dos acolhidos – pouco mais de 140 crianças e
adolescentes – não estão em instituições, mas convivendo com outras
famílias, por meio da iniciativa. A cidade faz parte do “Acolhimento
Familiar” desde 2006, quando esta modalidade de amparo foi incluída na
Lei de Adoção.
“Essas crianças e adolescentes não podem
viver até a maioridade nas instituições. Precisam experimentar a
convivência familiar, numa família organizada”, apontou o juiz Sérgio
Luiz Kreus, que há 17 anos atua na Vara de Infância e Juventude de
Cascavel. O sonho do magistrado é zerar o número de acolhimentos em
instituições na cidade.
Graças ao programa, Cascavel reduziu o
índice de abrigamento em instituições. Hoje, o município têm três
casas-lares (com seis crianças, cada) e duas casas de acolhimento, com
cerca de 20 jovens. “Depois do programa, perdemos pouquíssimos jovens
para as ruas e para as drogas”, disse Kreus.
Procedimentos
As famílias interessadas em acolher
passam por uma seleção técnica, feita por psicólogos e assistentes
sociais. Como contrapartida, a família acolhedora recebe ajuda de custo
de um salário mínimo. Apesar do inevitável vinculo afetivo, as famílias e
os jovens devem ter em mente que este acolhimento é temporário.
Amor sem restrições
Segundo o CNA, o Brasil tem 633 crianças
e adolescentes aptos à adoção com algum tipo de deficiência física ou
mental. Em Curitiba, são 33 jovens nessa condição. São situações que
exigem dedicação em tempo integral, mas que não assustaram o casal
Carlos e Claudete Schiavo. Eles conheceram Talita em 2006, quando ela
tinha 1 ano de idade, e não recuaram diante da notícia de que ela tinha
uma alteração genética que implicaria em déficit intelectual e
dificuldades na fala. Na mesma semana em que a adoção foi oficializada,
receberam a notícia de que Claudete havia engravidado. “Antes dos
filhos, já éramos felizes, mas faltava um complemento. E Deus nos deu
essa felicidade em dobro. Eles foram criados como gêmeos”, disse Carlos.